Djonga e as “Histórias de sua área”

Djonga e as “Histórias de sua área”
Pra galera mais jovem, um dos caras que dispensa apresentação nos nossos dias é Djonga. Você fala Djonga e a galera abre a boca cheia de orgulho para contar os feitos dele e um pouco do que conhecem sobre a sua história.
Muita gente já tá cansada de saber que o rapper mineiro cursou História até o sétimo período na Universidade Federal de Ouro Preto, restando apenas um período para a conclusão. Entretanto, Gustavo Pereira Marques (Djonga) apresenta em suas músicas o conhecimento de alguém que já tem formação como historiador, aliás, sabe esse último semestre que lhe faltava para receber um diploma? Seria para que ele elaborasse um trabalho de conclusão de curso e, pelas minhas contas, desde que ele deixou o curso, apresentou pelo menos quatro trabalhos compatíveis ao famoso TCC. Se você verificar os grandes acontecimentos do dia 13 de março, a partir de 2017, vai saber do que estou falando.
No Brasil, o saber acadêmico tem sido colocado em cheque por causa da grande quantidade de trabalhos elaborados pela academia que não tem nenhuma relevância social, é a universidade conversando com ela mesma, esbanjando a sua vaidade. O que Djonga faz desde seu primeiro álbum intitulado “Heresia” é exatamente o que as pessoas que tem compromisso com pesquisa e educação no país tem como prioridade: a socialização do conhecimento.
Admito que Djonga não é uma daquelas vozes que você que não é acostumado a ouvir rap vai gostar logo de cara. A primeira vez que escutei uma música dele não consegui ir até o fim, pois toda aquela entonação imposta em suas primeiras músicas soava como algo agressivo, e, na verdade, eu não estava errado sobre isso.
Com referências como Frantz Fanon, bell hooks, Tupac e etc., Djonga mostra a todo momento que suas letras tem uma intencionalidade escancarada:  dar voz aos que vem de baixo, priorizando os pretos e incomodar a classe dominante. Inserido na realidade de todos os temas abordados em suas músicas ele enxerga que o que ele vivenciou em sua vida antes da fama e do sucesso e ainda que vivência - pois continua morando na comunidade em que cresceu-, se repete na vida de muitos brasileiros.
Em mais um dia 13 de março, só que dessa vez no ano de 2020, Djonga lançou seu quarto álbum chamado “Histórias da minha área”, que, segundo ele, foi o albúm mais fácil de fazer e ao mesmo tempo o mais difícil. Mais fácil, porque ele estaria falando das coisas que faziam parte do seu cotidiano. Mais difícil, porque seria preciso reviver lembranças que nem sempre foram agradáveis.
Sem perder tempo, na primeira faixa do álbum o rapper mineiro mostra o que é crescer na quebrada em uma letra recheada de emoção. Pra mim, particularmente, a música soou como algo muito tocante, a ouvi com os olhos rasados de lágrima, sendo que algumas vezes elas rolaram no meu rosto mesmo eu tentando me conter.
Quem ouviu “O cara de óculos”, se não se viu na letra, lembrou-se de alguém que viveu algo parecido com o que é dito nela. A primeira parte da música é a realidade do jovem de comunidade que cresce vendo e sentindo na pele que a vida quase nunca tem um final feliz como nas histórias que começam com um “era uma vez”.
Um jovem que cresce sabendo que é perigoso sair de casa, pois até mesmo a polícia o vê como um inimigo. Um jovem que não sabe quantas refeições vai fazer em um dia. Um jovem que tem como referência de herói um traficante, pois este faz mais pela sua comunidade do que os políticos. Um jovem que cresce vendo sua família fazendo o esforço que não pode para que ele tenha uma boa educação. Enfim, um jovem que sofre o boicote diário do governo brasileiro. Nossos líderes precisam deixar a gente viver!
Virar esse jogo não é fácil, posso dizer isso por experiência própria. Quando um de nós tem a oportunidade de estudar em uma universidade, percebemos que fizeram de tudo pra que não estivéssemos ali! Quantos dos nossos passam dos 18 anos? Morremos a cada 23 minutos nesse país. Enquanto a representação de conquista que a mídia apresenta para o jovem brasileiro é a inserção no ensino superior, para nós, conquista mesmo é passar dos dezoito sem estar preso em uma cela penitenciária.
Isso me faz lembrar a criança que aparece na abertura do curta “Bluesman”, ela diz que quer ser um médico quando crescer. Aquilo soa como algo triste e perturbador. Triste, pois a realidade vai bater de frente com ela e tentar minar aquele sonho. Perturbador porque um jovem que sonha grande incomoda os grandes, essa perturbação para nós é esperança.
Uma das teses que as obras de Djonga mostra é que a narrativa de “pretos no topo” funciona e precisa ser utilizada de forma inteligente. Alguns criticam essa elevação do preto dizendo que isso é o mesmo que sonhar o sonho do branco. Servir de escada para outras pessoas não é legal para esses críticos, pois eles acreditam que todos devem lutar a mesma luta para alcançar seus objetivos, ou seja, isso seria privilégio demais para o preto. O topo para esses representa ser o capitalista acumulador de bens.
Djonga mostra que é preciso fortalecer a narrativa de pretos no topo. A mídia diz que dinheiro não traz felicidade, mas você já viu a cor e condição financeira das pessoas que dizem isso? É bom conferir. O topo significa ser ouvido, significa dignidade e ter tratamento de gente. O dinheiro precisa chegar ao lugar certo, se o preto continuar na parte mais baixa da pirâmide, sempre será tratado como um excluído da sociedade, isso fortalece o racismo, a desigualdade e várias pautas sociais.
Ser escada para os outros não é algo ruim se tratando de pessoas pretas, até porque, isso é algo necessário para que a parte da sociedade mais desprovida de privilégios seja vista. Djonga repete o que uma das melhores séries que já vi prega. Em “The get down”, cinco jovens tentam fazer sucesso com rap e um deles ouve que para que eles conseguissem esse feito, primeiro seria necessário que eles fossem “os maiores de sua rua”. O trabalho de base é importante, pois faz a escada funcionar de uma forma diferente da que os brancos nos ensinaram, aquele que alcança o respeito dos seus se torna espelho.

Ainda em “O cara de óculos”, Djonga mostra que a sociedade ainda não está pronta para nos ver tendo uma vida diferente da que nos foi reservada pela política corrupta de nosso país: “E quando souberem que você se ama / Eles vão começar a te odiar”. Somos ensinados que precisamos nos odiar, tudo que parece com a gente representa algo ruim. Quando percebemos que isso é um equívoco e tentamos virar o jogo, as pessoas mostram que não importa o que isso representa, elas só querem aquilo longe delas.
Por que nunca tivemos um presidente preto em um país em que historicamente a maioria das pessoas são pretas? Nossa sociedade está pronta para isso? Nossa sociedade quer isso? O que eu acho é que para muitos somos lindos na internet e só.

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