Refletindo
sobre a meritocracia, pensei de forma simplória, naquilo que seus defensores
pregam: "o mérito é alcançado através do esforço". Nem preciso dizer que se esse
jargão fosse verdadeiro o padeiro teria uma das profissões mais privilegiadas
no que diz respeito a salário. Já disse mesmo sem querer.
Então...
que dizer dos negros na musica brasileira? Em todos os ritmos eles alcançam
destaque, seja cantando, tocando ou nos bastidores. Será que é um dom? Tenho
certeza que você pensou em algo desse tipo. Na minha infância, cansei de
assistir programas de televisão nos fins de semana com a família, normalmente,
eram aqueles que promoviam concursos de talentos em que as pessoas iam cantar.
Em minha casa acontecia algo que já vi muitas vezes em outros lares, sempre
que uma pessoa de pele negra se apresentava todos diziam a mesma frase: "só
podia ser negra!"
Isso
nunca me intrigou, pois, assim como grande parte das pessoas, passei boa parte
da minha vida acreditando que pessoas negras tinham sido agraciadas de uma
forma especial quando o assunto era a música. Que bom que não sou o mesmo de
antes. Sem querer, eu estava reproduzindo um discurso que desqualificava o
trabalho dessas pessoas.
O
rap abriu os meus olhos, especialmente, o cd “Ladrão” de Djonga. Nem vou dizer
que este é o trabalho que mais admiro de um artista. Como já deu pra perceber,
não consigo me conter. Voltando ao álbum, que é recheado de letras
maravilhosas, uma em especial me incentivou a estar escrevendo essas linhas,
estou falando da música “Voz -
Djonga pt. Doug Now & Chris MC”. Essa é uma das músicas que mexem comigo do
início ao fim, pois ela inicia com questões que faço a mim mesmo todos os dias,
depois ela segue apresentando coisas que tenho vontade de dizer, mas não
consigo em algumas situações adversas do dia-dia que são tão normais para quem
tem a pele preta.
Quando Djonga diz “(...) que
talento é esforço, não se trata de dom” soa de forma tão profunda que eu não
poderia deixar passar como se não fosse nada. A meu ver, o nexo com a
meritocracia está feito: talento de rico é igual a esforço; talento de pobre é
igual a dom. Não? Quando você vê alguém na rua fazendo um som, tentando arrumar
uns trocados pra sobreviver, você atribui aquele talento desenvolvido a esforço
ou você acha que aquilo é tão somente um dom?
(Trecho de Deus & o Diabo na terra do Sol - Djonga pt. Filipe Ret)
Para ser bom em alguma coisa é preciso esforço.
Estamos acostumados a ouvir as pessoas falarem o quanto se esforçaram para
conseguir algo. Mas, e quando as pessoas não dizem o quanto precisaram se esforçar
para saber o que sabem? Isso diminui o seu esforço? Silenciar essa parte de
suas vidas gera nessas pessoas um dom especial? É interessante tentar
entender como é formulado esse silêncio. Não vou discorrer sobre, porém, isso
não impede que você reflita.
O rap é um dos grandes exemplos de como o
talento pode ser desqualificado por ser expresso por alguém que não tem a
estética do esforço. Como não lembrar o sucesso que Gabriel o Pensador
conseguiu alcançar no início deste século? Certamente ele trabalhou para chegar
aonde chegou, mas o problema é que as letras de suas músicas falavam sobre coisas
que muitos negros já falavam bem antes dele, mas quem conseguiu espaço na mídia
nacional para tocar suas músicas? A história vocês já sabem.
“E que talento é esforço, não se trata de dom
Mas Djonga não gosta de branco
O bang não é apenas cor, interpretem
Parece que ainda estão no ano lírico
Pela cor cê só não sente o que eu sinto
Mas pela boca e pelos atitudes, branco é seu estado de
espírito”
(Trecho de Voz - Djonga pt. Doug Now & Chris MC)


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