Feminismo Negro no Rap



Num contexto onde os negros nunca podiam prever quanto tempo estariam juntos, que forma o amor tomaria? Praticar o amor nesse contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimento insuportável. De forma geral, era mais fácil para os escravos se envolverem emocionalmente, sabendo que essas relações seriam transitórias. 
No decorrer dos anos, a habilidade de esconder e mascarar os sentimentos passou a ser considerada como sinal de uma personalidade forte. Mostrar os sentimentos era uma bobagem.
E se tantas crianças negras aprenderam desde cedo que expressar as emoções é sinal de fraqueza, como poderiam estar abertas para amar? Muitos negros têm passado essa ideia de geração a geração: se nos deixarmos levar e render pelas emoções, estaremos comprometendo nossa sobrevivência. Eles acreditam que o amor diminui nossa capacidade de desenvolver uma personalidade sólida.
É por isso que constantemente parecemos ter sucesso no trabalho, mas não na vida privada. Vocês entendem o que estou querendo dizer. Quando vemos uma mulher negra aparentemente segura de si, de seu trabalho, é bem provável que se formos visitá-la sem avisar, com exceção da sala, todo o resto da casa vai estar a maior bagunça, como se tivesse passado um furacão. Creio que esse caos representa uma reflexão de seu interior, da falta de cuidado consigo própria. A partir do momento que acreditarmos, de preferência desde crianças, que nossa saúde emocional é importante, poderemos suprir nossas outras necessidades.
O sistema escravocrata e as divisões raciais criaram condições muito difíceis para que os negros nutrissem seu crescimento espiritual. Falo de condições difíceis, não impossíveis. Mas precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar.
Começaremos a ver umas às outras quando ousarmos começar a ver a nós mesmas; começaremos a ver a nós mesmas quando começarmos a ver umas às outras, sem enaltecimento, rejeição ou recriminação, mas com paciência e compreensão mesmo quando não conseguimos, e com reconhecimento e apreciação quando conseguimos.
Se aprendermos a nos dar o reconhecimento e a aceitação que passamos a esperar apenas das nossas mães, nós mulheres negras, conseguiremos ver umas às outras com muito mais clareza e lidar umas com as outras muito mais diretamente.
Aprender a nos amar como mulheres negras vai além da insistência simplista de que ‘negro é lindo’. Vai além e mais fundo do que a apreciação superficial da beleza negra, ainda que, sem dúvida, ela seja um bom começo.
“Só eu sei o que eu passo, pisei nesses cacos sangrei nesses passos, mas aprendi guiar meu instinto, criar os caminhos que não me machuquem mais”. Essas palavras ditas por Drik Barbosa me trouxeram à memória duas autoras de extrema importância para o pensamento negro, sobretudo, o feminino, são elas Audre Lorde e bell hooks. Entre uma frase e outra de “Olho no olho” e “Vivendo de amor” existe certa conexão. O feminismo negro é uma vertente defendida tanto por elas como pela cantora. Nesses últimos dias tenho ouvido muito o som da Drik Barbosa e acredito que seria legal se mais pessoas ouvissem também. Pensando no conteúdo de suas letras, juntei algumas frases das obras citadas aqui para expressar um pouco do teor das letras de suas músicas, o resultado dessa junção está logo acima deste parágrafo. Todos os parágrafos, com exceção deste, pertencem a Audre Lorde e a bell hooks.



REFERÊNCIAS:
LORDE, Audre. Olho no olho: Mulheres negras, ódio e raiva. Trad. Stephanie Borges. Serrote, São Paulo, n. 29, p.48-83, jul. 2018. Quadrimestral.
HOOKS, Bell. Vivendo de amor. Disponível em: https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor/ 

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